O QUE É ANTIDUMPING E COMO FUNCIONA NO BRASIL?

O QUE É ANTIDUMPING E COMO FUNCIONA NO BRASIL?

Publicado por: Francisco Sylas Machado Costa

21-06-2023 às 15:39:00

O antidumping é uma prática comercial desleal que consiste em vender produtos no mercado externo a preços inferiores aos praticados no mercado interno do país exportador, causando prejuízos à indústria doméstica do país importador. Essa prática pode gerar distorções no comércio internacional e afetar a competitividade e a rentabilidade dos produtores nacionais.

Para combater o dumping, os países podem adotar medidas antidumping, que são instrumentos de defesa comercial previstos nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). As medidas antidumping consistem na aplicação de uma sobretaxa sobre as importações dos produtos objeto de dumping, de forma a neutralizar seus efeitos danosos à indústria doméstica.

As reformas do Brasil, implementadas ao longo de 2019, incluíram mudanças no desenho institucional, nos procedimentos legais e nos métodos econômicos usados para realizar a análise do interesse público nas investigações antidumping. Uma nova subsecretaria sob o Ministério da Economia, a Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público (SDCOM), passou a ser responsável por conduzir tanto as investigações antidumping quanto a análise do interesse público. Além disso, foram estabelecidos critérios e parâmetros claros para a realização da análise, bem como mecanismos de consulta e participação dos interessados.

A investigação antidumping tem como objetivo verificar a existência, o grau e os efeitos do dumping sobre a indústria doméstica. Para isso, são analisados três elementos fundamentais: a margem de dumping, o dano à indústria doméstica e o nexo causal entre o dumping e o dano. A margem de dumping é a diferença entre o preço normal do produto no mercado interno do país exportador e o preço de exportação para o Brasil.

O preço normal é o preço efetivamente praticado ou, na sua ausência, o preço calculado com base nos custos de produção mais uma margem razoável de lucro. O preço de exportação é o preço pago ou a pagar pelo importador brasileiro.

O dano à indústria doméstica é avaliado por meio de indicadores econômicos e financeiros que reflitam a situação da produção nacional do produto similar ao importado. São considerados aspectos como volume e participação das importações, preço dos produtos, produção, vendas, capacidade instalada, emprego, lucratividade, retorno sobre o investimento, fluxo de caixa e participação no mercado.

O nexo causal entre o dumping e o dano é estabelecido por meio da demonstração de que as importações objeto de dumping são a causa principal ou determinante do dano à indústria doméstica. Para isso, são analisados outros fatores que possam ter contribuído para o dano, como a demanda do mercado, a concorrência de outros fornecedores, a estrutura de custos e preços da indústria doméstica e as políticas governamentais.

 ·      Do Procedimento

  No Brasil, o órgão responsável pela aplicação das medidas de antidumping é a Subsecretaria de Defesa Comercial e Interesse Público (SDCOM) do Ministério da Economia. A SDCOM recebe as petições dos produtores nacionais que se sentem prejudicados pelo dumping e inicia uma investigação para verificar a existência e a extensão do dumping, o dano à indústria doméstica e a relação causal entre ambos. A investigação envolve a coleta e a análise de dados sobre os preços, os custos, os volumes e as margens dos produtos envolvidos, bem como a realização de questionários, verificações in loco e audiências públicas com as partes interessadas.

Ao final da investigação, a SDCOM elabora um parecer técnico com as suas conclusões e recomendações sobre a aplicação ou não da medida de antidumping. O parecer é submetido à apreciação da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), através de seu Comitê-Executivo Gestor (GECEX), que é o órgão colegiado composto por representantes de vários ministérios e presidido pelo Ministro da Economia. A CAMEX é a instância final de decisão sobre a aplicação das medidas de antidumping no Brasil.

As medidas de antidumping podem ser aplicadas provisoriamente ou definitivamente. As medidas provisórias podem ser aplicadas após um período mínimo de 60 dias da abertura da investigação, caso haja evidências suficientes de dumping, dano e nexo causal.

As medidas definitivas podem ser aplicadas após um período máximo de 18 meses da abertura da investigação, caso se confirme o dumping, o dano e o nexo causal. As medidas provisórias e definitivas têm uma duração máxima de cinco anos, podendo ser prorrogadas por igual período se houver indícios de que o dumping e o dano possam continuar ou se repetir.

A medida antidumping é aplicada na forma de uma alíquota ad valorem ou de um valor específico sobre o valor aduaneiro das importações dos produtos objeto de dumping. A medida antidumping tem como limite o valor da margem de dumping apurada na investigação. Com isso, vale ressaltar que o valor normal é o preço praticado pelo exportador em seu mercado doméstico ou em um mercado comparável. A margem de dumping é a diferença entre o valor normal e o preço de exportação para o Brasil.

Por fim, a medida antidumping tem duração máxima de 5 anos, podendo ser prorrogada por igual período se houver evidências de que a extinção da medida levaria à continuação ou à retomada do dumping e do dano.

·      O novo marco regulatório do antidumping no Brasil

Em 2019, entrou em vigor no Brasil o Decreto nº 9.679, que alterou o Decreto nº 8.058, de 2013, que regulamenta a aplicação dos direitos antidumping no país. O novo decreto trouxe uma série de mudanças nos procedimentos e nas metodologias das investigações antidumping, com o objetivo de modernizar, simplificar e tornar mais transparente e eficiente o sistema de defesa comercial brasileiro. Entre as principais alterações introduzidas pelo novo decreto, destacam-se:

- A criação de um sistema eletrônico para o recebimento e o processamento das petições e das informações das partes interessadas, facilitando o acesso e a comunicação entre os envolvidos;

- A definição de prazos máximos para a análise das petições e para a conclusão das investigações, evitando atrasos e indefinições;

- A simplificação dos requisitos para a comprovação do dano à indústria doméstica, permitindo uma avaliação mais objetiva e abrangente dos indicadores econômicos;

- A introdução do conceito de interesse público nas decisões sobre a aplicação das medidas antidumping, levando em conta os possíveis impactos sobre os consumidores, os fornecedores, os produtores e os empregados;

- A possibilidade de aplicação de medidas antidumping menores do que a margem de dumping, desde que sejam suficientes para eliminar o dano à indústria doméstica;

- A possibilidade de aplicação de medidas antidumping provisórias, antes da conclusão da investigação, em casos de dumping crítico ou ameaça de dano iminente;

- A possibilidade de aplicação de compromissos de preços pelos exportadores, como alternativa à aplicação das medidas antidumping, desde que sejam suficientes para eliminar o dumping e o dano à indústria doméstica.

O novo marco regulatório das medidas antidumping no Brasil busca tornar o instrumento de defesa comercial mais eficaz, equilibrado e transparente, em consonância com as melhores práticas internacionais e com os compromissos assumidos pelo Brasil na OMC.

·      Das medidas que podem ser adotadas

Segundo o Guia Antidumping da SDCOM, existem quatro tipos de medidas antidumping que podem ser aplicadas no Brasil: o direito antidumping definitivo, o direito antidumping provisório, a medida cautelar e o compromisso de preços.

O direito antidumping definitivo é a medida mais comum e consiste na cobrança de uma alíquota adicional sobre as importações dos produtos investigados por um período de até cinco anos, podendo ser prorrogado por mais cinco anos. Essa alíquota é calculada com base na margem de dumping, ou seja, na diferença entre o preço normal e o preço de exportação do produto.

O direito antidumping provisório é uma medida temporária que pode ser aplicada durante a investigação, caso haja evidências suficientes de dumping, dano e nexo causal. Essa medida tem o objetivo de evitar que o dano à indústria doméstica se agrave durante o processo. O direito antidumping provisório pode ser cobrado por até seis meses, podendo ser prorrogado por mais seis meses.

A medida cautelar é uma medida excepcional que pode ser aplicada antes do início da investigação, caso haja indícios claros e suficientes de dumping e dano iminente ou difícil reparação à indústria doméstica. Essa medida tem o objetivo de prevenir ou remediar o dano causado pelo dumping. A medida cautelar pode consistir na exigência de garantia em dinheiro ou na suspensão das importações dos produtos investigados por até quatro meses.

O Compromisso de preços é um acordo entre o governo brasileiro e o exportador estrangeiro para que este eleve seus preços de exportação para o Brasil ou limite o volume das suas vendas;

As medidas antidumping são importantes para garantir a livre concorrência e a justa competição no comércio internacional, protegendo os produtores nacionais contra práticas desleais de comércio. No entanto, as medidas antidumping devem ser aplicadas com critério e proporcionalidade, evitando o abuso ou o uso indevido do instrumento como forma de protecionismo ou de retaliação comercial.

Vale, ainda, ressaltar que o Direito antidumping pode ser revestido por uma alíquota adicional sobre o valor aduaneiro dos produtos importados com dumping, calculada com base na margem de dumping apurada na investigação;

Por fim, poderá haver a suspensão da investigação, através de uma decisão da CAMEX, com o objetivo de encerrar o processo sem aplicar nenhuma medida, por razões de interesse público ou por falta de provas suficientes.

·      Quais são os principais casos de antidumping no Brasil?

Atualmente, o Brasil é um dos países que mais utiliza esse instrumento de defesa comercial, tendo atualmente mais de 100 medidas antidumping em vigor contra produtos originários de diversos países. Os principais setores afetados pelo dumping são o siderúrgico, o químico, o metalúrgico e o têxtil. Os principais países alvo das medidas antidumping são a China, a Índia, a Coreia do Sul e a Tailândia.

O Brasil é um dos países que mais utiliza o instrumento de antidumping para proteger sua indústria doméstica. Segundo dados da OMC, entre 1995 e 2020, o Brasil aplicou 331 medidas antidumping contra produtos originários de 43 países. Por outro lado, o Brasil também foi alvo de 63 medidas antidumping aplicadas por 18 países no mesmo período.

A China é o país que mais sofre medidas antidumping no Brasil. Das já aplicadas, são 37%. Os principais produtos chineses afetados são laminados planos de aço, imãs de ferrite, vidros para eletrodomésticos, pneus para automóveis e bicicletas e louças sanitárias.

Os Estados Unidos são o país que mais aplica medidas antidumping contra o Brasil. Das já aplicadas, são 25%. Os principais produtos brasileiros afetados são suco de laranja, tubos de aço sem costura, papel revestido, laminados planos de aço e biodiesel.

Entre as medidas antidumping aplicadas ou alteradas no Brasil, podemos citar as seguintes:

- Vidros para eletrodomésticos, originários da China e do México;

- Laminados planos de aço ao silício magnéticos, originários da China;

- Imãs de ferrite em forma de anel, originários da China;

- Sal grosso, originário do Chile;

- Tubos de ferro fundido dúctil para canalização de água e esgoto, originários da China e da Índia;

- Fios têxteis de viscose com ou sem elastano, originários da China e da Indonésia;

- Laminados planos de baixo carbono e baixa liga revestidos por imersão a quente em ligas de alumínio-zinco (AZ), originários da China e da Coreia do Sul;

- Pneus novos para automóveis de passageiros ou camionetas, originários da Tailândia;

- Pneus novos para bicicletas, originários da China;

- Pneus novos para ônibus ou caminhões, originários da China.

- Tubos de aço carbono sem costura originários da China, Alemanha, Romênia e Ucrânia.

- Fios têxteis sintéticos originários da China, Índia e Taiwan.

- Sacos para acondicionamento originários da China, Indonésia e Tailândia.

·      Quais são os impactos das medidas antidumping para o comércio exterior brasileiro?

As medidas antidumping podem ter impactos positivos ou negativos para o comércio exterior brasileiro, dependendo do caso e da perspectiva analisada.

Do ponto de vista positivo, as medidas antidumping podem:

- Proteger a indústria nacional de práticas desleais de comércio que afetam sua competitividade e rentabilidade;

- Preservar empregos e renda no setor produtivo doméstico;

- Incentivar a inovação e a melhoria da qualidade dos produtos nacionais;

- Evitar a dependência excessiva de fornecedores estrangeiros;

- Fortalecer a posição negociadora do Brasil nas relações comerciais internacionais.

Do ponto de vista negativo, as medidas antidumping podem:

- Encarecer os produtos importados para os consumidores finais e para os produtores que utilizam insumos estrangeiros;

- Reduzir a oferta e a diversidade de produtos disponíveis no mercado interno;

- Gerar retaliações e conflitos comerciais com os países afetados;

- Desestimular a concorrência e a eficiência dos produtores nacionais;

- Afastar investimentos e parcerias estratégicas para o desenvolvimento do país.

·      Conclusão

As medidas antidumping são instrumentos legítimos de defesa comercial que podem ser usados pelos países para combater práticas desleais de comércio internacional. No entanto, essas medidas devem ser aplicadas com critério e cautela, levando em conta os impactos econômicos e sociais que podem gerar na economia nacional.

Assim, a Brasil, com a reforma do seu marco regulatório antidumping, passou a incorporar melhor o princípio do interesse público nas análises antidumping e garantir um uso mais racional e transparente das medidas. Essa reforma pode contribuir para uma maior eficiência e competitividade da economia brasileira e para uma maior integração do país no comércio mundial.

 

Referências

[1]https://pubdocs.worldbank.org/en/654751616073908906/ibep-country-successStories-brazil-antidumping-Jan2021.pdf

[2] https://blogs.worldbank.org/psd/brazils-reforms-show-how-use-fair-trade-dumping-laws-without-dumping-competition

[3] https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2019/janeiro/ministerio-da-economia-reestrutura-area-de-defesa-comercial

[4] http://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-n-9.679-de-2-de-janeiro-de-2019-29801976

[5] http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-309-de-24-de-junho-de-2019-163914637

[6] https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/quem-e-quem/subsecretaria-de-defesa-comercial-e-interesse-publico-sdcom

[7] http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-530-de-30-de-outubro-de-2019-224867386

[8] https://pubdocs.worldbank.org/en/654751616073908906/ibep-country-successStories-brazil-antidumping-Jan2021.pdf

 
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